
O Carf manteve a cobrança de IPI contra a Americanas por interposição fraudulenta em importações, alertando empresários e contadores sobre os riscos fiscais. Empresas que usam essa prática podem ser equiparadas a indústrias, resultando em IPI adicional, multas e a necessidade urgente de revisão de suas operações de suprimentos.
O Labirinto Tributário: Decisão do Carf sobre IPI e Interposição Fraudulenta em Operações de Importação
O cenário tributário brasileiro é reconhecidamente complexo, e decisões proferidas por órgãos administrativos como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reverberam profundamente no universo corporativo. Recentemente, um julgamento envolvendo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e uma das maiores varejistas do país, a Americanas, acendeu um alerta para empresas que atuam com importações e buscam otimizar suas cadeias de suprimentos. A manutenção da cobrança de IPI, baseada na caracterização de “interposição fraudulenta” e consequente “quebra de cadeia” tributária, sublinha a necessidade de atenção redobrada aos detalhes operacionais e à conformidade legal.
Desvendando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
O IPI é um tributo federal que incide sobre produtos industrializados, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Sua natureza é seletiva, o que significa que as alíquotas variam conforme a essencialidade do produto, e não cumulativa, permitindo que o valor pago em etapas anteriores da cadeia produtiva seja compensado nas etapas seguintes. O objetivo principal do IPI é estimular ou desestimular a produção e o consumo de determinados bens, além de regular a concorrência. Ele é um imposto fundamental para a arrecadação federal e, por isso, suas regras de aplicação e fiscalização são rigorosas, especialmente em operações que envolvem a entrada de mercadorias no país. A correta compreensão de sua incidência é vital para a saúde financeira de qualquer negócio que atue nesse segmento.
A Estrutura da Cadeia Tributária do IPI nas Importações
Nas operações de importação, a cadeia tributária do IPI inicia-se com o desembaraço aduaneiro do produto. Geralmente, o importador, que pode ser tanto um industrial quanto um comerciante, recolhe o IPI no momento da entrada da mercadoria no território nacional. Posteriormente, se esse importador for um industrial, ele poderá creditar-se do IPI pago na importação para abater o imposto devido na saída de seus produtos industrializados. No caso de um comerciante, que não realiza industrialização, a mercadoria é geralmente comercializada com o IPI já embutido no preço, sem nova incidência do imposto na venda, desde que não haja alteração em suas características essenciais. A “quebra de cadeia” ocorre quando há uma interrupção indevida ou uma manipulação dessa sequência tributária, gerando uma sonegação fiscal ou um aproveitamento indevido de benefícios.
O Conceito de Interposição Fraudulenta em Detalhes
A interposição fraudulenta é uma prática ilícita que se configura quando uma empresa ou indivíduo se interpõe indevidamente em uma operação comercial, geralmente de importação, com o objetivo de simular uma realidade diferente daquela que de fato ocorre. No contexto fiscal, isso visa a obtenção de vantagens tributárias ilegítimas, como a redução da base de cálculo de impostos, o aproveitamento de regimes especiais indevidos ou a elisão de responsabilidades. Em operações de importação, a interposição fraudulenta pode envolver a utilização de uma “trading company” ou de uma empresa de fachada para simular que ela é a real importadora ou a destinatária final das mercadorias, enquanto o verdadeiro beneficiário da operação tenta se eximir de suas obrigações fiscais ou obter um tratamento tributário mais favorável.
A Equiparação a Estabelecimento Industrial: Consequências Amplas
Quando a autoridade fiscal consegue comprovar a interposição fraudulenta, uma das consequências mais severas é a equiparação do estabelecimento comercial a um estabelecimento industrial. Isso significa que a empresa que, em tese, atuaria apenas como comerciante, é tratada legalmente como se fosse uma indústria para fins de IPI. A implicação direta dessa equiparação é a incidência do IPI sobre as vendas subsequentes dessas mercadorias, gerando uma nova obrigação tributária para a empresa, que não estava prevista em seu planejamento original. Além do ônus financeiro do IPI não recolhido, a empresa pode ser penalizada com multas elevadas, juros e outras sanções fiscais, comprometendo seriamente sua liquidez e reputação no mercado.
O Papel do Carf e o “Voto de Qualidade”
O Carf é um órgão colegiado, paritário (composto por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes), que julga administrativamente litígios tributários federais. Sua função é essencial para a resolução de controvérsias entre o fisco e as empresas, buscando uma aplicação justa e correta da legislação tributária. Uma particularidade importante no Carf é o “voto de qualidade”, que ocorre quando há empate nas votações. Nesses casos, o presidente da turma de julgamento, que é sempre um representante da Fazenda Nacional, tem o voto de desempate. Essa regra pode ter um impacto significativo nos resultados dos julgamentos, como visto no caso da Americanas, onde o voto de qualidade foi decisivo para manter a cobrança do IPI.
O Caso Americanas: Um Marco na Fiscalização de Importações
No cerne do caso Americanas, a Receita Federal alegou que a ST Importações, uma empresa do próprio grupo, atuou como trading company importando mercadorias. Contudo, em vez de destinar essas mercadorias aos “encomendantes” declarados – a atacadista Destro (não ligada ao grupo) e a QSM (integrante do grupo Americanas) – o fisco entendeu que os produtos eram, na verdade, destinados às lojas físicas da Americanas e à B2W, o braço de vendas digitais da companhia. Essa manobra foi interpretada como uma interposição fraudulenta, visando descaracterizar a real operação e, consequentemente, quebrar a cadeia do IPI. A relatora do caso no Carf, conselheira Ana Paula Pedrosa Giglio, defendeu a equiparação das lojas a estabelecimentos industriais, tese que prevaleceu com o voto de qualidade.
Lições e Implicações para o Ambiente de Negócios
A decisão contra a Americanas serve como um lembrete contundente para todas as empresas que operam com importações no Brasil. A Receita Federal e o Carf estão atentos às estruturas de importação que podem configurar interposição fraudulenta. É imperativo que as companhias revisem suas operações, garantindo total transparência e conformidade com a legislação tributária. A utilização de “trading companies” ou “encomendantes” deve ser legítima e comprovável, com a documentação e os fluxos financeiros refletindo a realidade da operação comercial. Ignorar essas diretrizes pode resultar em pesadas autuações, litígios prolongados e um passivo tributário considerável.
A Busca por Segurança Jurídica em Meio à Divergência
Interessante notar que este caso contrasta com uma decisão anterior, em que a Americanas obteve êxito em um processo similar, com a anulação de uma multa por suposta quebra da cadeia do IPI. Essa divergência entre turmas do mesmo órgão julgador ressalta a falta de uniformidade nas interpretações e a complexidade do sistema tributário, gerando incertezas para os contribuintes. A segurança jurídica é um pilar fundamental para o ambiente de negócios, e a existência de entendimentos distintos em casos análogos no Carf destaca a necessidade de um acompanhamento jurídico e contábil extremamente qualificado para navegar por esse cenário instável. A imprevisibilidade de tais julgamentos exige das empresas uma gestão de riscos tributários ainda mais aprimorada e proativa.
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Referência Bibliográfica:
Bikel, D., Valente, F., & Mello, M. (2025, 23 de dezembro). Carf mantém cobrança de IPI contra Americanas por quebra de cadeia. JOTA. Recuperado de https://www.jota.info/tributos/carf-mantem-cobranca-de-ipi-contra-americanas-por-quebra-de-cadeia