
Um recente relatório sobre a Advocacia-Geral da União (AGU) que questiona sua transparência e remuneração na recuperação de ativos é metodologicamente falho e tendencioso, ignorando a comprovada eficiência da instituição no aumento da arrecadação para o Estado. Tais críticas podem enfraquecer a capacidade estatal de cobrar grandes devedores, impactando o ambiente de negócios e a responsabilidade fiscal.
Transparência em Foco: Desmistificando Ataques à Advocacia Pública e a Recuperação de Ativos
Recentemente, um relatório intitulado “Teto Decorativo” ganhou destaque na mídia, gerando um debate intenso sobre a transparência e a remuneração da Advocacia-Geral da União (AGU). O estudo levantou questionamentos que, à primeira vista, parecem apontar para irregularidades na gestão de recursos e nos pagamentos de honorários advocatícios a servidores públicos. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que o documento apresenta falhas metodológicas significativas e um viés que distorce a realidade, impactando diretamente a percepção pública sobre a eficiência e a importância da advocacia pública. É crucial entender o contexto e os mecanismos envolvidos para desmistificar essas alegações e compreender o papel vital da AGU na defesa dos interesses do Estado brasileiro.
O Labirinto da Transparência Seletiva
O relatório em questão cria um paradoxo intrigante ao, simultaneamente, descrever a folha de pagamento da AGU como uma “caixa-preta impenetrável” e, em seguida, afirmar ter auditado e correlacionado os pagamentos com uma “segurança de 99,66%”. Essa contradição inicial já sinaliza uma abordagem seletiva da transparência. Se os dados fossem verdadeiramente opacos, seria impossível para qualquer entidade externa realizar uma análise com tal nível de precisão. A capacidade dos autores de “rastrear” quase todo o fluxo financeiro de cinco anos da AGU demonstra, na prática, que a transparência dos dados existe e é robusta o suficiente para permitir escrutínio detalhado, mesmo que não no formato preferencial dos autores do relatório.
LGPD e a Falsa Opacidade dos Dados
A suposta “incerteza” residual mencionada no relatório, que se tenta vender como um escândalo de falta de transparência, é, na verdade, um reflexo do cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A legislação exige o mascaramento de informações pessoais, como os CPFs dos beneficiários, para proteger a privacidade dos indivíduos. Atribuir a essa medida protetiva a pecha de “caixa-preta” é uma interpretação equivocada e, talvez, intencionalmente distorcida da lei. A AGU, como órgão público, tem o dever de equilibrar a transparência com a proteção de dados pessoais, agindo dentro dos limites legais estabelecidos. A transparência plena não significa a exposição irrestrita de dados sensíveis, mas sim a disponibilização de informações que permitam a fiscalização e a compreensão dos processos, sem comprometer direitos individuais.
A Metodologia da Conveniência: Quando o Formato Supera o Conteúdo
Outro ponto que merece atenção é a desqualificação, por parte do relatório, do painel eletrônico lançado pela AGU em setembro de 2025, especificamente para detalhar o pagamento de honorários advocatícios aos advogados públicos federais. Essa ferramenta complementar ao Portal da Transparência do Governo Federal foi criada para indicar as parcelas remuneratórias e indenizatórias de cada pagamento, desde julho de 2025. Os autores do estudo, contudo, a desconsideraram sob o argumento de que a plataforma exige busca por nome e impede o download massivo de dados. Essa crítica revela uma “metodologia da conveniência”: a transparência é detalhada e acessível, mas é desconsiderada por não se adequar ao formato de planilha ou ao volume de dados que a ONG desejava para sua análise. Tal postura ignora a existência de dados e ferramentas disponíveis, priorizando uma narrativa predefinida.
Entendendo os Honorários de Sucumbência: Um Princípio Fundamental
O debate sobre os honorários advocatícios da AGU frequentemente ignora um princípio basilar do sistema jurídico brasileiro: a sucumbência. Segundo o Código de Processo Civil (Art. 85), a parte que perde uma ação judicial é responsável por arcar com os honorários do advogado da parte vencedora. Este não é um privilégio exclusivo do Estado, mas um direito de qualquer profissional da advocacia, seja ele público ou privado. No contexto das execuções fiscais, onde a União busca recuperar créditos, o equivalente à sucumbência é o encargo legal (Decreto-Lei nº 1.025/1969). Trata-se de uma taxa de 20% sobre o valor do débito, paga pelo devedor, que substitui a condenação em honorários e é dividida entre a União e as carreiras da advocacia pública federal, conforme a Lei nº 13.327/2016. É fundamental ressaltar que esses valores não provêm do orçamento público, ou seja, não são recursos destinados à saúde ou educação, como erroneamente sugerido pelo relatório. Eles são pagos pelos próprios devedores que perdem as ações judiciais, atuando como um desincentivo à litigância protelatória e um mecanismo de responsabilização.
Quem se Beneficia do Desarmamento Estatal na Recuperação de Ativos?
Ao atacar o mecanismo de financiamento dos honorários de sucumbência e do encargo legal, o relatório “Teto Decorativo” não protege os cofres públicos; ao contrário, ele os enfraquece. O principal impacto de desarmar a advocacia pública seria beneficiar grandes devedores – conglomerados, bancos e bilionários – que empregam bancas de advocacia caríssimas para contestar suas obrigações fiscais, blindar patrimônios e transferir seus prejuízos para a sociedade. Se os advogados que atuam na defesa do Estado não são devidamente remunerados pelo sucesso em suas ações de recuperação de dívidas, o incentivo e a capacidade de enfrentamento a esses grandes litigantes diminuem. A fatura desses custos processuais, que incluem a remuneração dos advogados públicos, é paga por quem deu causa à ação, e não pelo contribuinte que cumpre suas obrigações. O enfraquecimento dessa política remuneratória seria um “sonho de consumo” para aqueles que devem bilhões à União, pois tornaria o Estado um adversário menos temível na busca pela arrecadação.
“Acima do Teto” ou a Liquidação de uma Poupança Acumulada?
Um dos pontos mais sensacionalistas do relatório foi a alegação de que membros da AGU receberam R$ 3,8 bilhões “acima do teto” em um ano. No entanto, essa afirmação exige um esclarecimento essencial. Este montante não representa um “salário novo” ou um privilégio mensal recorrente; é, na verdade, a liquidação de um “estoque” de valores acumulados ao longo de anos. O próprio relatório permite inferir que, entre 2017 e 2024, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) arrecadou R$ 1,9 bilhão a mais do que pagou, sem que um único centavo viesse do orçamento público. O que ocorreu em 2025 foi a liberação de parte dessa poupança acumulada. Tratar a quitação de passivos e a distribuição de um saldo poupado por quase uma década como se fosse um excedente salarial habitual é uma falha de interpretação que beira a desonestidade intelectual. É análogo a acusar um trabalhador de viver como um “marajá” no mês em que saca seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Os Números Incontestáveis da Eficiência Pública
Apesar das críticas, os resultados da AGU falam por si, e infelizmente foram convenientemente omitidos do relatório. Os dados, disponíveis publicamente no Painel Eletrônico da AGU, demonstram um aumento significativo na recuperação institucional de valores para a União: de R$ 34,3 bilhões anuais em 2020 para impressionantes R$ 87 bilhões em 2024. Isso representa um incremento de 2,5 vezes na eficiência arrecadatória em apenas quatro anos. Além disso, a taxa de sucesso judicial da União em juízo subiu 10,1% desde 2020, atingindo 68,8% em 2024. Esse é um feito notável, considerando a complexidade e o volume das atividades questionadas judicialmente. Por fim, a percepção da qualidade da consultoria e do assessoramento jurídico prestado pelos advogados públicos também melhorou, passando de 7,93/10 em 2022 para 8,65 em 2024, impulsionada pela implementação de ferramentas especializadas e pela aproximação com os gestores na formulação de políticas públicas. Estes números, que evidenciam um ciclo virtuoso de maior arrecadação, políticas públicas melhor formuladas e defesa jurídica mais eficaz, foram ignorados pela “cegueira deliberada” do relatório.
O Viés Político e o Lobby Disfarçado
A forma como o relatório “Teto Decorativo” foi divulgado e a natureza de suas críticas sugerem que não estamos diante de uma preocupação genuína com a moralidade administrativa, mas sim de uma operação de lobby cuidadosamente orquestrada. Uma simples busca online revela que o estudo possui um viés pautado, provavelmente, por interesses localizados em setores de alta finança e grandes empresas, que buscam fragilizar a atuação da AGU. Ao demonizar a eficiência estatal na recuperação de ativos e questionar a remuneração de seus advogados, o objetivo final parece ser o de devolver aos grandes devedores a “tranquilidade” de enfrentar um Estado desarmado, com menos capacidade e incentivo para cobrar dívidas bilionárias.
O relatório “Teto Decorativo” falha em seu propósito de expor uma suposta “caixa-preta” e, ironicamente, prova o contrário: a transparência da AGU funciona. O que permanece realmente opaco são as motivações e os financiadores por trás de estudos que buscam desqualificar o trabalho vital da advocacia pública. O fortalecimento da AGU, e não seu enfraquecimento, é o caminho para garantir que o Estado tenha os recursos e a proteção jurídica necessários para servir a toda a sociedade.
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Referência Bibliográfica:
NOGUEIRA, Niomar; GOMES, Valéria. A cegueira deliberada e a defesa oculta dos grandes devedores. JOTA, 26 dez. 2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-cegueira-deliberada-e-a-defesa-oculta-dos-grandes-devedores. Acesso em 29 de dezembro de 2025.